Você me arranja um cigarro ?

Era mais ou menos meia noite de uma terça feira chuvosa, chamei o Sergio que acabara de chegar de seu trabalho para irmos tomar uma cervejinha e aproveitarmos em quanto nosso bebê estava na casa dos avós para desfrutarmos de um momento nosso e relembrar a época de namoro...

enfim, aproveitar um pouquinho minhas férias maternas...

No mesmo espírito que eu, ele se aprontou rapidamente apenas para tirar um pouco o ar de rapaz trabalhador, entramos no carro e seguimos em busca de um lugar agradável e que estivesse aberto.

Não é comum em uma cidade pequena, encontrar em pleno começo de semana algum barzinho cheio e movimentado e depois de andarmos uma distância razoável e nos depararmos apenas com portas fechadas e ruas desertas, seguimos para um lugar infalível que conhecemos no centro da cidade, um barzinho simples, de universitários que tem uma cerveja gelada e um atendimento muito acolhedor.

Sentamos em uma mesa na calçada, revoltados com a lei anti-fumo em todos os espaços fechados até mesmo em um bar de universitários onde a maioria dos clientes deixavam suas cervejas em cima das mesas e com copos na mão iam bater papo e descontrair fumando seus cigarros na rua.

A conversa estava boa, a cerveja melhor ainda, mas como todo fumante sentimos uma imensa vontade de fumar.

O cigarro estava no carro, e quando o Sergio foi buscar lembrou que tinha deixado a chave dentro, que beleza !!! o que mais interessante poderia acontecer ?

Nossa sorte é que na mesma calçada tinha um carro estacionado da mesma marca e modelo que o nosso e em quanto ele procurava pelo nosso possível salvador eu observava as pessoas, suas cervejas e cigarros na rua ....

O interior do bar estava vazio, praticamente todos na rua, até mesmo os “não fumantes” batendo papo com a maioria lá fora ....

Deu certo, ele conseguiu abrir a porta e voltava com as chaves e o maço de Marlboro na mão.

Tentamos voltar ao clima inicial, quando derrepente passam ao lado da nossa mesa dois meninos de rua por volta de 17 anos e não muito adiante fumam um cigarro de crack.

As minhas atenções direcionavam-se apenas pra minha bolsa, que apesar de não ter grandes quantias, haviam bens preciosos em seu interior como documentos e minha bolsinha de maquiagens.

Nem 10 minutos decorridos e eles voltam pela mesma calçada em direção a nossa mesa ... um deles por fim puxa assunto com meu marido dizendo que ele tinha cara de ser muito inteligente.

Natural aparência de quem usa óculos de lentes grossas e um visual meio nerd modernista.

Sem querer dar muita conversa, porém também não se esquivar ele respondeu em poucas palavras aconselhando o rapaz a continuar os estudos, foi quando ele começou a contar sua história ...

Disse morar na rua porém tinha juntado com os irmãos R$ 150,00 para alugar uma casinha, mas que a situação deles não era muito favorável pela aparência e condição, porém ele fazia um supletivo noturno gratuito e em sua vida imprevisível era um grande esforço continuar ...

Ouvíamos com olhar de incentivo aos estudos quando ele tentava adivinhar qual era a profissão do meu marido ... as deduções do rapaz começaram com professor, passando por químico e assim não adivinhando qual era terminou com sapateiro ... nenhuma bola dentro.

Fui ao banheiro (levando minha preciosa bolsa) e quando voltei o assunto ainda estava mais trágico, porém interessante.

Ele dizia que em sua infância seu padrasto o molestara, e que saiu de casa com os dois irmãos também molestados, pois a mãe não conseguia acreditar em seus próprios filhos e sim em seu amado marido e mesmo vivendo nas ruas eles não pediam esmolas, trabalhavam de engrachate, flanelinha, tentando sobreviver a difícil vida das calçadas ...

Por fim, o rapaz que não pedia esmolas pediu R$2,50 para tomar uma Skol, inventamos uma desculpa à ele que desolado viu o maço de cigarros em cima da mesa e perguntou antes de ir:

- Então vocês podem me arranjar um cigarro ?